pendura
4 - lavar a louça fazer a janta lavar a louça fazer chá lavar a louça
pendura
3 - solidão
A última vez que me perguntaram como eu estava foi há dez dias atrás.
A pessoa que perguntou não ouviu nem respondeu minha resposta.
Existir só é não existir para ninguém além de si mesmo
E existir só para si mesmo é existir?
Aquela árvore lá, que cai no meio da floresta sem que ninguém a ouça, lembra disso?
Eu sou essa árvore. Se eu existo no meio da floresta e ninguém me ouve, eu existo?
Minha doença me dificulta as relações, me dificulta iniciar conversas. Me transforma num incômodo, me tira o foco e, quando nada disso me para, me tira o ânimo. E deste pântano não me liberto facilmente.
É terrível.
Sinto tantas dores, perco e quebro tantas coisas.
E tenho que segurá-las nas mãos, sozinho. Meu troféu do vazio.
Minha silenciosa existência. E não há tortura pior, não há agonia maior.
Um músico que não consegue ser ouvido e grita
grita e grita e grita
e sempre gritou desde mais jovem, mais saudável, mais energético
e o grito nunca levou a nada, nunca levou a nada a não ser a minguar a vontade do peito que grita.
Os lábios se colando, de desuso. O grito ácido o devorando por dentro.
Não sei onde errei, mas sei que devo ter errado muitas vezes, assim, pra não ter ninguém.
Ninguém.
Absolutamente ninguém.
Hoje minha interface de áudio quebrou. Assim, ó.
Caiu, quebrou.
A única coisa que eu tinha que me permitia gravar (mal) e editar (muito muito mal) as minhas canções, que são as únicas coisas que tenho que são eu, que perguntam como eu estou, que falam como eu estou para o mundo (surdo).
Não tenho mais como gravar e me sinto tão triste, tão vazio, tão sozinho que dói.
Dói como meus pés, dói como minhas costas, dói como estar preso nesse corpo obeso, nessa vida vazia de tudo.
Quando eu terminar vai parecer que eu nem tinha começado.
2 - Sobrevivência
Para sobreviver a períodos de frios extremos
o peixe-pirilampo retrai os órgãos do seu corpo
em até 50% do seu pequeno tamanho original
e consegue existir em meia-morada, pagando meio-aluguel
e gastando meia-energia.
Para sobreviver após a perda do companheiro
o pombo urbano recria seu parceiro
com tampas de garrafa, chicletes, flores,
ramos e as próprias penas e fica abraçando
o ídolo de suas memórias.
Para sobreviver após o pedido de casamento falho
o macaco pongo do olho castanho
fica chorando baixinho e atrapalhando
o macaco umbumbú do cabelo cacheado
de dormir a noite inteira.
Para sobreviver
eu sonho.
1 - Para parar o ciclo de violência
as palavras, quando saem dos meus dedos,
ai
é como se mordessem.
É como se as palavras, silenciosamente, tivessem afiado suas bordas e cada vez que termino de tocar em uma
ai
meu desavisado sangue as alimenta.
Mas preciso delas agora, preciso tirá-las do seu dormir. Para tentar parar o ciclo.
Estou muito machucado. Numa ponta da existência em que coleciono cicatrizes invisíveis. Em caminhos que infeccionam meus pés. Delicadamente destruído.
Me foi demandado silêncio. Silêncio e serviço. Só posso gritar no encontro dos meus dedos com essas teclas espinho. E não quero retornar a agressão mais.
Preciso jogar a dor, a frustração, o caos que cai em dos outros corpos em outros lugares. Preciso descartar. Sei que guardar não posso, que é aniquilação por demais já só sendo assim.
Faço esse esforço textual pra, talvez, reaprender a escrever e gritar o grito que gritam em mim nas palavras.
Pedir "perdão", abaixar a voz, fazer o que deve ser feito, e gritar aqui.
Não é à toa que as palavras me espetam os poros.
Que quem vai sofrer a partir de agora são elas.
E que dura sobrecarga é ser aquilo que segura toda a energia destrutiva e tenta, em seu silêncio, parar o ciclo de violência.
Hoje, dentre as muitas violências, o que me sobrecarregou foram as seguinte coisas:
1 - um filho não cuida de uma mãe, uma mãe cuida de todos os filhos (frase proferida enquanto eu colocava um fralda, após arrumar a tempo tudo o que precisava ser arrumado, deixando todas minhas demandas em segundo lugar);
2 - estava gritando seu nome, estou sem celular e você não me ouviu, por que você não respondeu? (ao que respondi que usava fone de ouvidos e pedi perdão, que usaria só um lado e cuja tréplica foi, ainda, mais ataque, violência esganiçada, ignorando o perdão por estar de fone de ouvido).
O que dorme ao lado voltou a dormir.
A raiva veio, como vem em muitos momentos, e quase parasitou minha língua. Quase agarrou meu peito e escalou pelo esôfago, quase explodiu meus dentes num desejo terrível de resposta. Mas calei.
A raiva queria vir nos dedos também, nas ações.
Mas calei.
A raiva está se diluindo nas palavras agora (perdão, palavras, pela carga. perdão e obrigado. vocês sempre estiveram aqui. só vocês, em todos os momentos).
Agora devo checar se o animal congelado descongelou. E na beirada da noite, sanar desejos de fomes que talvez não sejam assim que devem ser sanados.
o processo longo da janta me acorda do transe e da cura da escrita.
meus pés doem tanto, tanto. meus pés, meus braços, meus ombros.
Tá tudo certo, ninguém se preocupa.
4 - lavar a louça fazer a janta lavar a louça fazer chá lavar a louça
uma lágrima pendura nos cílios a vida se repete sem motivos não sou protagonista nem da minha existência quem dirá extra. não consegui quas...
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